Artigo: contribuições do Comitê Baía de Guanabara para a mitigação das mudanças climáticas e adaptação da região hidrográfica  

7 de junho, 2024


Lagoa da Barra, em Maricá. Foto: Luiza Bragança/Prefácio Comunicação

Mudanças climáticas são alterações de longo prazo nas características do clima do planeta. A diferença entre mudanças climáticas e variabilidade climática é que as mudanças são atribuídas a atividades humanas que podem alterar a composição da atmosfera, enquanto a variabilidade é atribuída a causas naturais. 

Tais alterações têm potencial de interferir na dinâmica do ciclo hidrológico, podendo resultar em longos períodos de seca, assim como em eventos pluviométricos extremos cada vez mais frequentes, capazes de provocar inundações e elevação do nível do mar, causando prejuízos patrimoniais, interrupção de serviços essenciais, risco à integridade física da população¹ e aumento da vulnerabilidade dos ecossistemas. 

De acordo com a pesquisa “Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil”, realizada pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), é prevista uma perda de 40% da disponibilidade de água no país até 2040, sobretudo, na região Sudeste. Além disso, o relatório alerta para a intensificação de eventos climáticos extremos nos próximos anos.  

De 2010 a 2018, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) concentrou cerca de dois terços das mortes por desastres ambientais ocorridas no Brasil, de acordo com o Mapa da Desigualdade da organização Casa Fluminense. Atualmente, 20% dos domicílios da região estão em áreas de alto risco de inundações e, 1%, em áreas de alto risco de deslizamentos de terra. E, conforme relatório sobre Justiça Climática produzido pela mesma instituição, um dos 17 municípios que integram a Região Hidrográfica da Baía de Guanabara – ou Região Hidrográfica V – abriga mais da metade dos domicílios particulares em áreas de alto risco a inundações em relação ao total na RMRJ, com mais de 66% de residências nesta situação. 

Quanto à qualidade da água, o monitoramento realizado em rios, baías e lagoas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e pelo Comitê de Bacia da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara e dos Sistemas Lagunares de Maricá e Jacarepaguá (CBH Baía de Guanabara) nos 17 municípios da região aponta qualidade ruim ou muito ruim em mais da metade das amostras.  

Para que os Comitês de Bacia Hidrográfica (CBHs) colaborem com o enfrentamento das diferentes dimensões dessa crise climática – social, econômica e ambiental – é imprescindível a incorporação de dados relacionados às mudanças ao seu planejamento. Nesse sentido, o CBH Baía de Guanabara está contratando estudo para a realização do Plano de Gerenciamento de Riscos para a região hidrográfica e concluindo a revisão do Plano de Bacia da região, incluindo Planos de Manejo de Usos Múltiplos das Lagoas e Lagunas (PMULs), como forma de contemplar as subregiões lagunares na gestão hídrica. Os PMULs são previstos pela Política Estadual de Recursos Hídricos do Rio de Janeiro (PERH) desde 1999 e nunca foram regulamentados. Com essa contribuição inédita para a construção de instrumentos da política de recursos hídricos, buscamos pavimentar a articulação entre a gestão hídrica e o gerenciamento costeiro.    

Também é muito importante que as instituições integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos alinhem as políticas públicas setoriais às diretrizes previstas nos Planos de Bacia, Plano Estadual de Recursos Hídricos e Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas. Desde 2012 o Estatuto da Cidade exige que o Plano Diretor dos municípios incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos deverá ser “compatível com as disposições insertas nos planos de recursos hídricos, formulados consoante a L.9433/1997” (Art. 42-A Lei 10.257/2001).  

Em 2024, na RMRJ, apenas a capital fluminense conta com Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas, de acordo com o Painel Climático da Casa Fluminense. Quanto aos Planos Diretores Municipais, importante instrumento de ordenamento de uso e ocupação do solo dos municípios, mais da metade está com a revisão atrasada – e quando a revisão é realizada, as diretrizes dos planos de bacia são ignoradas.  

Dos 22 municípios que compõem a RMRJ, mais da metade não possui Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil. Destacamos aqui a importância do papel das defesas civis, tanto municipais quanto estaduais, por serem os órgãos que estão na linha de frente no auxílio à população em períodos de catástrofes naturais e que podem contribuir com dados acerca dos riscos hidrológicos das regiões.  

Projetos que geram dados e repassam informações de forma transparente e educativa são aliados em períodos de eventos extremos como o que estamos vivenciando. Nesse sentido, o CBH Baía de Guanabara vem ampliando investimentos no monitoramento quali-quantitativo da água bruta e levando adiante um plano de comunicação para divulgação dos dados das análises. O projeto de monitoramento gera dados mensais sobre a qualidade das águas em 93 pontos da bacia hidrográfica e prevê risco de contaminação em determinados pontos. Um exemplo da eficácia do projeto é o fato de ter identificado a situação da contaminação por tolueno na bacia do rio Guapi-Macacu, que resultou na paralisação do abastecimento de água no Sistema Imunana-Laranjal, no último dia 3 de abril.  

O Comitê também está elaborando um plano de educação ambiental voltado para a sensibilização dos indivíduos sobre seu papel no meio ambiente; um projeto de auxílio a pesquisa e extensão, como forma de gerar dados sobre a situação da bacia; e um plano de comunicação para dar transparência aos investimentos e ações do colegiado.  

No eixo de infraestrutura verde, o CBH Baía de Guanabara investe em projetos para recuperação ambiental de áreas de nascentes, estudos para ampliação de Unidades de Conservação (UCs) e elaboração de planos de manejo para essas áreas em diversos municípios da região. Planos de manejo contribuem para a preservação das diferentes espécies da fauna e flora de qualquer área de preservação ambiental e são importantes ferramentas de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Além disso, o Comitê está engajado na implementação de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e recuperação ambiental na bacia do rio Guapi-Macacu. 

Outras ações do Comitê também visam reduzir os efeitos climáticos no território, como em projetos de drenagem, por meio da renovação do sistema de comporta da Rua General Garzon na Lagoa Rodrigo de Freitas, e a definição de trechos prioritários para o enquadramento de corpos hídricos, para termos um panorama da situação dos mananciais da região. 

É urgente a adoção de medidas integradas entre poder público, sociedade civil e iniciativa privada para a redução dos efeitos das mudanças climáticas, principalmente para garantir água em quantidade e em qualidade, além de cada vez mais buscar alinhamento com os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável propostos pela Organização das Nações Unidas nas ações desenvolvidas pelo CBH Baía de Guanabara. 

Artigo escrito por João Flávio Werneck, diretor administrativo do CBH Baía de Guanabara e representante da Secretaria de Proteção e Defesa Civil de Maricá – SEPDEC no Comitê. 

Nota 1: Sobre as famílias inscritas no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), a Norma Operacional Básica do Sistema Único da Assistência Social (NOB Suas) define o número máximo de 5.000 famílias por CRAS.  Em 2023, a média brasileira foi de 4.918 famílias por CRAS, ao passo que a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) apresentou média de 12.753 famílias por CRAS, sendo que nos municípios de Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Rio de Janeiro o número de famílias cadastradas foi quatro vezes superior à capacidade estabelecida pela NOB/Suas. 

Publicado originalmente no O Eco