Baía de Guanabara: o uso inadequado como depósito de cascos e embarcações

29 de novembro, 2022


Navio graneleiro se chocou contra a Ponte Rio-Niterói, na Baía de Guanabara, no dia 14 de novembro – Reprodução de redes sociais

A crítica situação de cascos abandonados e embarcações estacionadas na Baía de Guanabara voltou à pauta no país após o choque do navio graneleiro São Luiz contra a principal ligação viária entre o Rio de Janeiro e Niterói – a Ponte Rio-Niterói – na noite do dia 14 de novembro. O acidente sinaliza um dos vários problemas e desafios provocados pelo uso da Baía como depósito de embarcações. Passados mais de 10 dias, nenhuma providência efetiva foi tomada.

O Comitê da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara (CBH Baía de Guanabara) é um dos convidados de uma audiência pública organizada pela Comissão de Saneamento Ambiental da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), que vai discutir a “colisão do navio São Luiz com a Ponte Rio-Niterói e os impactos danosos causados à população do Estado do Rio de Janeiro pelas dezenas de navios abandonados e fundeados na Baía de Guanabara”.

Foram convidados a diretora-presidente do CBH Baía de Guanabara, Adriana Bocaiúva, e o coordenador da Câmara Técnica Costeira do Comitê, Paulo Garreta Harkot. A audiência pública está marcada para a próxima quarta-feira, 30 de novembro, na sede da Alerj, no centro do Rio de Janeiro.

A Baía de Guanabara é a representação da confluência entre a gestão hídrica e a gestão costeira. Não é da competência do Comitê a gestão costeira, mas a Política Estadual de Recursos Hídricos prevê como continuidade da unidade territorial da gestão o respectivo sistema estuarino e a zona costeira mais próxima, e a administração costeira afeta o trabalho desenvolvido pela entidade.

Um dos pontos principais do trabalho do CBH Baía de Guanabara é promover a conservação recuperação e a sustentabilidade ambiental dos recursos naturais. Nesse sentido, do ponto de vista ambiental, o CBH Baía de Guanabara tem alertado sobre o risco de vazamento de combustíveis e outros tipos de substâncias tóxicas por essas embarcações estacionadas e cascos abandonados na Baía da Guanabara.

Sem elencar prioridades ou destacar apenas o problema ambiental acerca desse cenário, o Comitê ainda lista impactos econômicos – como, por exemplo, a vulnerabilidade que atividades relacionadas à pesca estão sujeitas com águas cada vez mais poluídas –, e de infraestrutura e mobilidade para a população. 

Sobre o acidente, o que se sabe é que o navio estava ancorado há cerca de seis anos, na Baía da Guanabara. Uma das especulações para a causa do acidente é que a âncora de mais de 7 toneladas tenha se rompido, o que permitiu que o navio se deslocasse por, aproximadamente, um quilômetro até se chocar contra a ponte. A estrutura chegou a ficar com o trânsito totalmente interditado. O tráfego foi liberado na manhã de terça-feira, 15 de novembro e o navio São Luiz foi rebocado até o cais do Porto do Rio de Janeiro, onde se encontra atracado.

A Marinha do Brasil (MB) divulgou nota em 22 de novembro, esclarecendo que a Capitania dos Portos do Rio de Janeiro (CPRJ), como Agente da Autoridade Marítima, fiscaliza e ordena o trafego aquaviário nas águas interiores e no litoral do Rio de Janeiro, visando a segurança da navegação, a proteção da vida humana no mar e a prevenção da poluição ambiental provocada por embarcações, conforme previsto na Lei n° 9.537/97 (LESTA) e no seu regulamento, Decreto n° 2.596/1998 (RLESTA), que estabelecem as atribuições e competências da Autoridade Marítima.

No mesmo dia do acidente, a MB divulgou nota informando que a CPRJ tomou conhecimento do fato logo depois do ocorrido, enviando equipe de Busca e Salvamento para o local, para coordenar o transporte da embarcação para atracação no porto da capital fluminense. A CPRJ informou, ainda, que seria instaurado um Inquérito sobre Acidentes e Fatos de Navegação “para apurar causas, circunstâncias e responsabilidades” do fato.

Segundo a CPRJ, o navio São Luiz é “objeto de processo judicial” e que, até uma decisão judicial, ele permanecia em local pré-definido desde 2016, “sem oferecer riscos à navegação”. Detalhes sobre o processo não foram divulgados.

A MB informa ainda que, caso uma embarcação ofereça perigo à navegação ou risco de poluição hídrica, a CPRJ notifica o responsável para adoção das medidas cabíveis. Caso o proprietário ou armador deixe de cumprir as determinações da autoridade, a CPRJ poderá apreender a embarcação e iniciar seu processo de perdimento, providenciando destino seguro para ela, de acordo com o previsto no § 2o do art. 17 da LESTA.

Nesse sentido a decisão proferida pela  16ª  Vara Federal do Rio de Janeiro, em 20 de setembro de 2021, em tutela de urgência,  pela qual a empresa ré, Navegação Mansur S.A.,  proprietária do graneleiro São Luiz, foi instada a remover imediatamente, às suas expensas,  o navio da área de fundeio, em que se encontrava, para local seguro.

Há que se fazer uma distinção entre cascos abandonados, que se encontram encalhados sem sistema de fundeio, e embarcações tripuladas. A CPRJ informa que a maioria dos navios fundeados ao Norte da Ponte Rio-Niterói não estão abandonados, contanto com a anuência da Autoridade Portuária, Companhia Docas do Rio de Janeiro – entidade responsável por administrar as áreas de fundeio da área do Porto Organizado – e fiscalizados pela CPRJ.

Em 5 de setembro de 2012, após procedimento administrativo promovido pela MB para apurar abandono de embarcações e cascos nos canais no entorno da Ilha da Conceição, em Niterói, até a área de Desembarque Pesqueiro no bairro Gradim, em São Gonçalo, a Portaria  90/CPRJ declarou o perdimento de 49 casos e embarcações , autorizando a Administração Pública a  levá-los a leilão em hasta pública, com base no disposto na Lei no 7542, de 26 de setembro de 1986, e no Princípio do Interesse Público.

Em julho de 2022, a CPRJ promoveu reuniões com o INEA e com a SEAS sobre a situação dos cascos abandonados na Baía da Guanabara, solicitando o encerramento legal de qualquer fator impeditivo proveniente do processo de leilão instaurado em 2012, visando iniciar novo processo de perdimento dos cascos abandonados, vez que a empresa ganhadora em 2012 não cumpriu o previsto nas regras do leilão. Foi definida a  realização de novo mapeamento para atualização da situação de cascos na baía.

A MB informa ainda haver projeto de parceria entre a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Prefeitura Municipal de Niterói, com vistas à identificação de potencial reinserção do material dos cascos abandonados/soçobrados na cadeia produtiva reversa. O estudo não evidenciou presença de material contaminante, tampouco que causasse risco à saúde e conclui que a região do Canal de São Lourenço concentra a maior quantidade de cascos abandonados na Baia de Guanabara. A CPRJ oficiou a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais sobre levantamento detalhado dos cascos, iniciado em 2018 e atualizado em 2021, no qual se constatou a existência de 61 deles.

O incidente deixa muitas dúvidas: o que aconteceu com as barreiras físicas existentes no entorno da ponte que impediram o navio de se aproximar da estrutura principal? O que vai acontecer com o navio São Luiz e com a outra centena de embarcações que estão na mesma situação do graneleiro? O que foi feito pelo Poder Público para eliminar os riscos impostos pelo uso inadequado da Baía da Guanabara por essas embarcações? Quando será realizado novo mapeamento para atualização da situação de cascos na baía? Como podemos lançar mão desse mapeamento para minimizar os riscos e impactos que esses cascos e embarcações representam?

O Comitê

A presença nociva de algumas dessas embarcações na Baía de Guanabara vem sendo denunciada há anos pelo CBH Baía de Guanabara. A presença dos navios causa um estresse para todo o ecossistema envolvido, seja por barulho, por ocupação ou pelo despejo de substâncias combustíveis e tóxicas nas águas da baía.

Alexandre Anderson, da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar) e membro do comitê, acompanha e denuncia a situação há anos e, diante do que chama de descaso das autoridades, instituiu informalmente uma patrulha ambiental da região junto a outros pescadores. Ele cita, por exemplo, uma balsa de mais de 70 metros de comprimento. “Há oito anos ela se soltou, fizemos queixas e depois retornaram com ela para cá. À noite, essa balsa é só uma sombra, não tm sinalização. As cordas são antigas e estão apodrecendo. Os riscos de um derramamento de óleo, de acidente envolvendo outras embarcações ou de ela afundar são grandes”, disse Alexandre em entrevista ao jornal “O Globo”.

O CBH Baía de Guanabara, que tem o papel articulador entre a gestão hídrica e a gestão costeira, volta a sinalizar a situação crítica encontrada nas águas da Baía de Guanabara, cartão-postal nacional e internacional. Mas, antes de ser destaque turístico, a baía representa a sobrevivência de várias atividades econômicas, o termômetro sobre a situação ambiental de toda a Região Hidrográfica V, e a saúde ambiental dos corpos hídricos. 

O incidente deve jogar luz sobre a urgência do debate sobre uma solução definitiva para o uso sustentável das águas da Baía de Guanabara pelos diferentes tipos de embarcações e atividades.