Artigo: 18 anos de luta em prol da Baía de Guanabara

18 de janeiro, 2024


No Dia Estadual da Baía de Guanabara, o Comitê tem um histórico de trabalho em favor da região hidrográfica. Em 18 anos de atuação, o colegiado revisa as metas para os próximos anos
Vista da Baía de Guanabara. Foto: Luiza Bragança

O CBH Baía de Guanabara chega à maioridade a partir de contribuições de diversos atores para a recuperação da qualidade socioeconômica e ambiental da Região Hidrográfica V (RH-V) ao longo de quase duas décadas. Este marco nos inspira a celebrar os esforços de inúmeros colaboradores, mas também a revisar as metas e ajustar os instrumentos para enfrentamento dos novos desafios para os próximos anos.

Alinhado às metas do novo Marco Legal do Saneamento, instituído em 2020; aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas (ONU); e aos compromissos climáticos firmados pelo Brasil na COP-26, em 2023, o CBH Baía de Guanabara completa 18 anos com a certeza de que as experiências acumuladas e o enorme capital social construído ao longo desse caminho serão decisivos para o avanço da gestão hídrica na RH-V, tendo em vista os impactos cada vez mais acentuados da crise climática.

Histórico

Apesar da Constituição do Rio de Janeiro prever a gestão hídrica integrada e descentralizada dos recursos hídricos desde 1989 (Capítulo VII, Art. 261, parágrafo 1º, inciso VII), apenas dez anos depois, em 1999, o estado aprova sua Política Estadual de Recursos Hídricos (PERH), definindo o comitê de bacia como base da gestão participativa, integrada e descentralizada das águas.

O texto da Lei 3239/99, que cria a PERH, foi elaborado por um grupo de trabalho, criado para esse fim no âmbito da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, que contava com representantes da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA), Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Departamento de Recursos Minerais (DRM), e enviado para apreciação ao legislativo estadual. O grupo também foi responsável pelo estudo e criação do mapa das macrorregiões ambientais, visando a descentralização da gestão ambiental no estado. As macrorregiões foram posteriormente adotadas para a definição das Regiões Hidrográficas fluminenses.

Paralelo à criação da PERH, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, sensível as lutas sociais contra os danos ambientais causados por diversos fatores, principalmente pelo boom imobiliário nos ecossistemas lagunares de Niterói, Maricá e Rio de Janeiro, além dos trechos leste e oeste da Baía de Guanabara, inaugura a gestão participativa, descentralizada e integrada dos recursos hídricos, a partir da criação de conselhos gestores. Antecedendo à publicação da PERH, foi criado Conselho Gestor das Lagoas de Piratininga e Itaipu, em Niterói. O colegiado ganhou popularidade com suas reuniões mensais que contava com a participação dos três segmentos: poder público, sociedade civil e usuários da água.

No ano seguinte, um movimento popular carioca promove o evento “Abraço à Lagoa Rodrigo de Freitas” como forma de protestar contra a poluição hídrica no município. Em resposta, o governo estadual, guiado pelas diretrizes da PERH, cria o Conselho Gestor das Águas da Lagoa Rodrigo de Freitas e das Praias da Zona Sul do Município do Rio (Decreto Estadual nº 26079, 03/23/2000) incorporando as praias da Zona Sul como continuidade da bacia hidrográfica da RH-V.

Ainda em 2000, após um grande derramamento de óleo na Baia de Guanabara, o governo estadual cria o Conselho Gestor da Baía de Guanabara com a finalidade de promover o uso múltiplo dos recursos naturais e a recuperação ambiental dos ecossistemas da região, além de garantir transparência ao Programa de Despoluição da Baía de Guanabara e demais ações do governo sobre os recursos hídricos (Decreto Estadual nº 26.174, 14/04/2000).

Já em 2001, foram criadas duas comissões para cada lado da Baía de Guanabara: a Comissão Pró-Comitê do Leste da Guanabara e a Comissão Pró-Comitê do Oeste da Guanabara. A iniciativa partiu pelo somatório de forças da sociedade civil, das empresas e de instituições usuárias da água, com o apoio do estado. As comissões realizaram conferências e debates, até que culminaram na criação do CBH Baía de Guanabara pelo Decreto Estadual nº 38.260, de 16 de setembro de 2005.

Em 2011, a partir da publicação da Resolução do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERHI) nº 63/2011, o comitê passa a contar com 6 subcomitês: Sistema Lagunar de Maricá-Guarapina, Sistema Lagunar Itaipu-Piratininga, Trecho Leste, Trecho Oeste, Sistema Lagunar da Lagoa Rodrigo de Freitas e Sistema Lagunar de Jacarepaguá.

Além dos 6 subcomitês, atualmente, o CBH da Baía de Guanabara conta com 6 Câmaras Técnicas dedicadas aos instrumentos de gestão, assuntos institucionais e legais, educação ambiental e mobilização, articulação entre gestão hídrica e gerenciamento costeiro, e saneamento ambiental.

O CBH Baía de Guanabara também conta com o Comitê Científico e de Extensão e com grupos de trabalhos dedicados ao debate e acompanhamento da revisão do plano de bacia, do programa de monitoramento das águas, do contrato de gestão, de problemas relacionados à resíduos sólidos na região e de projetos relacionados à infraestrutura verde.

A Região Hidrográfica da Baía de Guanabara (RH-V)

A Região Hidrográfica V conta com cerca de 8,5 milhões de habitantes, ou seja, 52% da população do Estado do Rio de Janeiro, e representa cerca de 70% do PIB do estado, segundo o IPEA. Além disso, de acordo com o Atlas da Região Hidrográfica V, a região conta com 158 unidades de conservação, sejam elas federais, estaduais e/ou municipais.

Mesmo com a grande demanda populacional e de serviços, infelizmente, muitas áreas ainda não têm acesso adequado ao saneamento básico, resultando em uma cobertura de tratamento de esgoto desigual em diferentes territórios. O Plano Estadual de Recursos Hídricos do RJ afirma que a maior pressão sobre os corpos hídricos do estado é a deficiência do saneamento básico.

De acordo com o Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, a região conta índices de cobertura de coleta de esgoto que variam desde 97% no município de Niterói, até a apenas 5% em Maricá e zero por cento em Cachoeiras de Macacu. A carência de serviços de coleta e de tratamento de resíduos sólidos agrava esse cenário.

Instrumentos

Muita água já correu por debaixo da ponte que liga o período da fundação do Comitê ao atual momento da gestão hídrica da RH-V. Num processo contínuo de colaboração entre os atores dos diferentes segmentos e territórios, o colegiado atinge sua maioridade revisando suas metas e instrumentos.

O Plano de Bacia, elaborado pelo estado em 2005, está sendo atualizado com a inclusão das sub-regiões hidrográficas lagunares. Para suprir essa lacuna, estamos construindo também os Planos de Manejo de Usos Múltiplos das Lagoas e Lagunas, para promover o planejamento da atuação do Comitê nas sub-regiões lagunares. Esse instrumento, previsto pela PERH, desde 1999, nunca foi regulamentado. Com essa contribuição inédita para a construção de instrumentos da política de recursos hídricos, buscamos pavimentar a articulação entre a gestão hídrica e o gerenciamento costeiro.

Outros instrumentos ainda merecem nossa atenção, como o debate sobre a revisão da metodologia da cobrança pelo uso da água, implementada pela Lei Estadual 4.247/2003 e o enquadramento dos usos dos corpos hídricos. Raros são os corpos hídricos da RH-V que contam com classificação de uso, promovida ainda na década de 70 pelo órgão ambiental estadual, dentre os quais se encontram a Lagoa Rodrigo de Freitas e os rios que nela desaguam; e as lagoas de Jacarepaguá, Piratininga, Itaipu e Maricá. No segundo semestre de 2023, a Câmara Técnica de Instrumentos de Gestão (CTIG) iniciou os debates sobre o enquadramento na RH-V.

Eventos e comunicação

O comitê realiza e apoia a organização de eventos relacionados ao debate sobre gestão hídrica, tanto a nível estadual quanto nacional, a partir da participação de seus membros. Em 2023, realizamos os eventos Combate ao Lixo Marinho na Região Hidrográfica da Baia da Guanabara, realizado no canal do Youtube do CBH Baía de Guanabara e uma roda de conversa sobre a região Leste dentro do workshop “Segurança Hídrica do Leste da Baía de Guanabara”. Além disso, realizamos os workshops “Alternativas de transposição, seus riscos e Impactos”, “Potencial de Exploração subterrânea na região Leste” e “Impactos das Mudanças Climáticas e Soluções de Integração Regional”.

Dentre eventos apoiados em 2023 destacamos os encontros estaduais e nacionais dos Comitês de Bacias Hidrográficas, o 1º Encontro Técnico sobre Alternativas de Abastecimento Hídrico da região Leste da Baía de Guanabara, o Encontro de Pesquisa do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, o Simpósio do Paraíba do Sul, o 1º Congresso de Manguezais e a reunião bimestral do Fórum Nacional de Bacias Hidrográficas, que foi realizado no Rio de Janeiro em outubro e contou com a presença dos representantes dos fóruns estaduais de 16 estados.

Além disso, está em andamento no Comitê o programa de Comunicação de Fortalecimento Institucional, como forma de divulgar e prestar contas à sociedade sobre nossas ações e investimentos. Dentro desse trabalho estão contempladas a comunicação digital, assessoria de imprensa, a publicação de boletins periódicos e de uma revista anual; a produção de vídeos institucionais da região; a produção de um banco de imagens, além do trabalho de comunicação integrada no Comitê. Dentro do programa de comunicação, foram realizados workshops para sensibilizar os membros sobre a importância da comunicação, dentre eles o “Seminário de Comunicação Não Violenta”, “Sou Membro e Agora? Manual do Membro”, “Treinamento para reuniões no Google Meet” e “A importância da Comunicação no CBH Baía de Guanabara”.

Participação em coletivos e política

O Comitê busca colaborar para a gestão hídrica fluminense e nacional. Para isso, temos representatividade em diversos coletivos e movimentos em prol das águas, como no Conselho Estadual de Recursos Hídricos, em que participamos do Plenário, da CTIL da CETIG e do GT Fundrhi. Também estamos na coordenação do Fórum Fluminense de Comitês de Bacias Hidrográficas (FFCBH), do Grupo de Trabalho Costeiro dentro do Fórum, e do Grupo de Trabalho Água da Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso.

Desde 2023, o Comitê colabora para o monitoramento dos contratos das concessões do serviço de saneamento do estado do Rio de Janeiro, participando dos Comitês de Monitoramento dos Contratos de Concessão dos Serviços de Água e Esgoto dos Blocos 1, 2 e 4. Outro destaque de 2023 foi fruto da articulação entre os comitês fluminenses e o poder legislativo, que é a aprovação do projeto de lei que altera a alocação dos investimentos em saneamento dos CBHs, que foi sancionado pelo Governo do Estado em maio.

Dentre outros movimentos que o Comitê participa estão a colaboração no Fórum Nacional de Comitês de Bacia (FNCBH); a Aliança de Megaciades, Água e Clima da Unesco (MAWAC); o Movimento Água Viva Baía de Guanabara; a Rede Oceano Limpo; o Conselho Consultivo da Fundação Rio Águas; e o Conselho Consultivo da Região Metropolitana do Instituto Rio Metrópole

Documentos Técnicos

O Comitê também se dedica à produção de documentos e dados qualitativos que embasam o posicionamento do colegiado sobre políticas públicas e atividades de grande impacto. Alguns exemplos desses relatórios são:

• A Revisão do Plano Municipal de Saneamento Básico e Revisão do Plano Diretor do Rio de Janeiro;
• A Revisão do Plano Diretor de Niterói;
• Relatório Técnico Denúncia AMADARCY;
• Revisão do Plano Metropolitano Integrado de Resíduos Sólidos;
• Relatório sobre alterações da FMP da lagoa do Sistema Lagunar de Maricá e da Ilha Cardosa;
• Relatório sobre irregularidades no convênio para gestão de recursos hídricos entre Maricá e o Estado o Rio de Janeiro;
• Relatório sobre visita do GT Chorume à ETE Alegria;
• Mapa dos empreendimentos impactantes no Município de Maricá;
• Representação sobre o Decreto 47.372/2020 – Plano de Alinhamento da Orla e Faixas Marginais (2021);
• Projeto Lagoas Vivas (2022);
• Convênio de Cooperação 01/2019 (2023);
• Situação dos Corpos Hídricos/Maricá (2023);
• Contribuições do CBH Baía de Guanabara para a revisão da legislação sobre ICMS Ecológico do RJ (2022).

Investimentos Executados

Durante esse percurso, realizamos investimentos em projetos que apoiem a execução das políticas públicas sobre a água e esgoto. Dentre estes investimentos estão os R$ 500 mil para a elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico da cidade do Rio de Janeiro; cerca de R$ 800 mil para a implantação dos serviços de saneamento básico e drenagem pluvial na Comunidade do Cabrito, em Niterói, que impacta a vida de centenas de moradores da região; e a realização de estudos básicos e da concepção de projetos de esgotamento sanitário para o bairro Vale das Pedrinhas, em Guapimirim.

Na região de Jacarepaguá, o Comitê investiu em estudo de concepção para alternativas ecológicas de esgotamento sanitário e elaboração de Projeto básico para o Canal das Taxas, localizado no bairro do Recreio dos Bandeirantes.

O Comitê investiu também em projetos de infraestrutura verde, contribuindo para o estudo técnico para a criação e ampliação de unidades de conservação da parte Oeste do fundo da Baía da Guanabara, e para a recuperação e proteção de Áreas de Proteção Permanente nas margens do rio Rainha e no Canal das Taxas. Na região Leste da RH-V o Comitê investiu no Programa Produtor de Águas, em parceria com o INEA, SEAS e SEAPPA (EMATER-Rio).

Tendo em vista a gestão adequada de resíduos sólidos e drenagem, o Comitê deliberou a execução dos seguintes estudos: projeto de fortalecimento da cadeia de reciclagem para a região de Maricá; estudo sobre vocação de consórcios entre municípios do Leste na gestão de resíduos sólidos; diagnóstico de pontos críticos no âmbito de drenagem e levantamento de estudos já realizados; estudo de concepção em drenagem para melhoria da qualidade das águas do Canal das Taxas; Projeto de Melhoria e Requalificação de Rios e do Leito Maior Sazonal da Laguna de Itaipu, abrangendo diversos macroprogramas, em razão de sua multidisciplinariedade.

Além disso, a Câmara Técnica de Educação e Mobilização Social (CTEM) elaborou as diretrizes do Plano de Educação Ambiental do colegiado, que norteará todas as ações de educação ambiental do Comitê, incluindo a contratação da gestora, e projetos para os diferentes territórios, num valor total de R$ 1,8 milhão.

Dedicamos especial atenção ao programa de monitoramento quali-quantitativo da Região Hidrográfica V. Atualmente, a iniciativa conta com investimento de cerca de R$ 3 milhões para monitoramento da água em 93 pontos da bacia, acompanhando 13 parâmetros de qualidade, dos quais 10 são determinantes para mensurar o índice de qualidade da água (IQA). O programa foi reconhecido pelo Prêmio Prosegh 2023, na categoria qualidade ambiental.

E, por entendermos a importância de conhecermos a realidade dos nossos corpos d’água, de modo a atuarmos de forma mais assertiva e maximizarmos nossos resultados, vamos investir cerca de R$ 10 milhões na expansão do programa de monitoramento, tanto no espelho d’água da Baia de Guanabara quanto na foz dos rios. A previsão é que a nova fase do programa se inicie em abril. Paralelo ao nosso programa de monitoramento, vamos investir no programa Vigilância da Baía de Guanabara, a partir da disponibilização de aplicativo para contribuição cidadã de registros, na forma de fotos e vídeos sobre poluição nas águas da RH-V.

Só em 2023, o Comitê deliberou cerca de R$ 32 milhões para investimentos na RH-V que acontecerão durante o ano de 2024. As contratações estão em curso e visam projetos de diferentes eixos temáticos. Em parceria com a Prefeitura de Niterói, o Comitê irá elaborar o projeto executivo de sistemas alternativos de esgotamento sanitário em 172 lotes que margeiam o alto curso do Rio Jacaré. Já com a Prefeitura do Rio de Janeiro, foi firmada parceria para reforma da comporta da rua General Garzon na Lagoa Rodrigo de Freitas, na ordem de R$ 6 milhões, e para investimento de R$ 420 mil para a elaboração do Plano de Manejo do Mosaico das Vargens e Sertão Carioca. O Plano de Manejo tem o intuito de preservar diferentes espécies da fauna e da flora da região, além de reduzir os danos causados pelas mudanças climáticas.

Também temos aprovados R$ 3 milhões para investimento em pesquisa, por meio de editais em parceria com o CNPQ e com a Faperj, o que amplia o relacionamento do Comitê com a academia para auxiliar na confecção de dados sobre a região hidrográfica.

Futuro

Nesses 18 anos, o CBH Baía de Guanabara vem acumulando conhecimento e experiências para o enfrentamento dos complexos desafios para a defesa dos ecossistemas e para garantir água em qualidade e quantidade na região.

Celebramos a luta dos companheiros que já nos deixaram e renovamos nossas forças, frente aos sinais de recuperação da Baía de Guanabara e de outros corpos hídricos da RH-V. O resultado é consequência da união de esforços entre diversas instituições para investimentos alocados em saneamento básico e em infraestrutura verde na RH-V, somados aos demais projetos promovidos ao longo dessas quase duas décadas pelo Comitê.

Acreditamos e defendemos a construção coletiva de soluções para nossos problemas comuns, com a garantia da participação social, a valorização dos diferentes saberes, e a gestão integrada de nossos recursos.

*Artigo escrito por Adriana Bocaiuva, diretora-presidente do CBH Baía de Guanabara com informações históricas de Paulo Bidegain da Silveira Primo, biólogo que já trabalhou na Secretaria de Estado de Meio Ambiente.