Cuidar é preciso
Opinião: O papel ecológico e socioeconômico dos manguezais na Baía de Guanabara
O manguezal é um importante ecossistema, que se caracteriza pela biodiversidade e produtividade socioeconômica
Presentes na faixa de transição do ambiente marinho para o terrestre, comum em regiões tropicais e subtropicais com influência diária das marés, os manguezais se caracterizam pela alta biodiversidade e produtividade socioeconômica. O encontro das águas salgadas do mar com as doces, dos rios, marca um ambiente com grande disponibilidade de nutrientes e alimentos para a fauna marinha, servindo também de purificador e exportador de nutrientes provenientes dos mananciais para o litoral. Cerca de 80% da biodiversidade marinha depende diretamente dos manguezais. Além disso, é nessas águas calmas e barrentas que peixes, mamíferos e aves encontram proteção para seus filhotes, sendo consideradas verdadeiros berçários da vida marinha.
São os manguezais que também fornecem renda e alimento para milhares de famílias de pescadores artesanais, catadores de caranguejo e quilombolas. A sociobiodiversidade promovida nesse espaço vai além da subsistência e contempla aspectos culturais e tradições importantes. A proximidade e a forma de se relacionar dessas populações com o ambiente em que convivem diariamente podem trazer respostas para diversos dilemas da conservação e recuperação desse importante ecossistema, que precisam ser consideradas na construção de programas e políticas públicas.
Muito além de berçários e fonte de alimentos, os manguezais são ainda aliados contra as mudanças climáticas. São as espécies vegetais, conhecidas como mangue vermelho, mangue branco e mangue preto, adaptadas a esse ambiente lamoso e salobro, que atuam na captura e armazenamento de grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, contribuindo para reduzir o impacto dos gases de efeito estufa. Eles sequestram de quatro a cinco vezes mais carbono do que as florestas tropicais.
De acordo com a UNESCO, cerca de 123 territórios no mundo são ocupados por manguezais. Segundo levantamento do Atlas dos Manguezais do Brasil, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), aproximadamente 120 milhões de pessoas no mundo inteiro vivem a 10 quilômetros de distância de áreas de manguezal e são impactadas pelo clima dessas regiões.
No Brasil, de acordo com o Atlas, existem cerca de 14 mil km² povoados pelo ecossistema ao longo do litoral, dando ao país o título de segundo maior em extensão de manguezais no mundo. O mesmo levantamento aponta sua importância para a subsistência de diversas populações, manutenção de atividades econômicas ligadas à recreação e ao turismo, além da preservação da biodiversidade.
Mesmo extenso, esse ecossistema, no entanto, encontra-se extremamente ameaçado. Segundo a UNESCO, as florestas de manguezais representam atualmente menos de 1% das florestas tropicais do planeta e estão sendo suprimidas em uma velocidade de três a cinco vezes maior, em comparação a outras florestas no mundo. Ainda de acordo com a organização, a área ocupada por manguezais no planeta foi reduzida à metade nos últimos 40 anos. No Brasil, cerca de 25% das áreas originais foram extintas desde o início do século 20, segundo o Atlas do ICMBio.
Tendo em vista a ameaça ao ecossistema e sua importância socioeconômica e ecológica, foi realizado entre os dias 17 e 20 de julho o I Congresso Nacional de Manguezais, em Niterói. Promovido pela Guardiões do Mar, o evento reuniu pesquisadores da área, ONGs que se dedicam à preservação dos manguezais, poder público, Comitês de Bacia Hidrográfica (CBHs), artistas, pescadores artesanais, quilombolas e catadores de caranguejo – ao todo, mais de 1.500 inscrições foram registradas.
Na oportunidade, foi trazida à luz a situação dos manguezais no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. Além disso, foram discutidos os impactos para quem sobrevive do ecossistema, destacando as experiências de recuperação, restauração e conservação, além da importância da educação ambiental e da participação das comunidades tradicionais na proteção e gestão participativa desses ambientes.
No contexto do Rio de Janeiro, a Região Hidrográfica da Baía de Guanabara concentra a maior faixa contínua de manguezais conservados do estado, presente nas unidades de conservação federal APA de Guapi-Mirim, responsável por aproximadamente 40% do volume de águas pluviais que chegam na baía, e Estação Ecológica da Guanabara. Localizadas no recôncavo da Baía de Guanabara, as unidades abrangem os municípios de São Gonçalo, Guapimirim, Itaboraí e Magé e importantes rios como o Irirí, Roncador, Guapi-Macacu, Guaraí, Caceribu e Guaxindiba/Alcântara.
Segundo o Plano de Manejo da APA de Guapi-Mirim, são muitas as famílias provenientes de comunidades tradicionais que habitam a região e dependem do ecossistema para a permanência e a sobrevivência, uma vez que, além de manterem relação estreita com o ambiente, elas sobrevivem de seus recursos naturais.
São necessárias, portanto, ações de recuperação e conservação dos manguezais, tendo como base a valorização do conhecimento e das comunidades locais. Quando esses conhecimentos são inseridos nas estratégias de conservação e restauração, é possível ter abordagens mais eficazes e inclusivas, que considerem tanto a proteção do ambiente como o bem-estar das comunidades locais.
Para que os manguezais continuem existindo, é necessária mobilização e prevalência de diálogo entre todos os entes que conhecem e convivem com o ecossistema. O Congresso foi um passo importante para a troca de conhecimento e experiência entre os diferentes atores, mas, além de debate, é preciso que os diferentes saberes deem origem a políticas públicas e ações de conservação e recuperação. E que também sejam levadas em conta a socioeconomia e a participação das pessoas que vivem do manguezal, que, ao realizarem suas atividades, simultaneamente, preservem nosso belo ecossistema. O manguezal agradece, assim como o planeta Terra!
Artigo escrito por Andresse Maria Gnoatto, oceanógrafa com habilitação em Gestão Ambiental Costeira, coordenadora do Subcomitê Leste da Baía de Guanabara e representante da ONG Guardiões do Mar
Publicado originalmente por O Eco.
|